Reinado no Nordeste
Ah, se eu fosse um peixe, ao contrário do rio, nadava contra as águas. E nesse desafio saía lá do mar pro Riacho do Navio. Eu ia direitinho pro Riacho do Navio.
Pra ver o meu brejinho fazer umas caçada; ver as "pegá" de boi, andar nas vaquejada. Dormir ao som do chocalho e acordar com a passarada. Sem rádio e nem notícia das terra civilizada. (...)
Riacho do Navio (1955) | Luiz Gonzaga
Se a gente olhar pro Nordeste - e prestar atenção - dá pra
ver tanta beleza que chega os olhos marejam. Até na seca, que este ano vitimou
e ainda maltrata muitas famílias do meu Ceará e de outros cantos, vejo poesia. A
chuva às vezes demora demais.
O meio do Nordeste é uma cantiga sofrida e bela, ao mesmo
tempo. Será preciso ser nordestino pra entender a analogia?
E este ano temos um motivo mais que especial pra celebrar a
nordestinidade e seus encantos. Comemoramos o centenário de um dos ícones da
nossa cultura: Luiz Gonzaga do Nascimento. Agora na telona, temos a chance de saber um pouco mais da trajetória do rei do baião, que tão bem soube cantar o
Nordeste, sem precisar trazer na letra o tom sofrido ou a rima cansada do
cordel. Me desculpem os amantes do cordel, mas acho chata demais aquela lenga
lenga que se concentra mais na rima do que na mensagem.
Gonzaga não. Além da rima com inteligência, com ele a música é pura vida. E esse seu talento
nos envolve há pelo menos 60 anos. Todo
o imaginário de quem conheceu ou viveu o sertão aparece na sua obra como se
nós, mesmo urbanos, pudéssemos sentir tudo, de novo. É como se viajássemos no
tempo e nos próprios sentimentos.
E quanto mais vou além do Ceará e mergulho sertão adentro, de
Pernambuco à Bahia, mais tenho certeza de que Luiz foi feliz em suas
composições. Buscou na simplicidade e na verdade do nordestino a sua
inspiração. E como falar de Nordeste sem citar o caráter das pessoas que nele
vivem?
Não sei se estou equivocada, mas andei dizendo ultimamente
que a cidade, a urbanização, nos faz perder a sinceridade. Nos tornamos não
mentirosos, mas menos verdadeiros consigo e com os demais. O homem do campo, ou
do sertão, como queira, traz consigo a verdade do mundo. Com simplicidade, nos
ensina que é digno sim manter valores e virtudes que pra nós, apressados e
gananciosos, parece cada vez mais difícil manter.
Nós, na cidade, perdemos muito em verdade. E é por isso que
de vez em quando sentimos a necessidade de voltar pro interior; quando desejamos reorganizar
o sentido que damos às coisas. É uma maneira de acreditar que a simplicidade existe
e que com ela tudo pode ser mais pleno, mais humano.
Quanta saudade eu tenho do sertão. Do cheiro do café coado,
da piçarra que acinzenta até o juízo da gente e do vento frio que o rio nos dá
em forma de carícia. São essas lembranças que Gonzaga e o seu canto me trazem. Por isso é rei.
A ele, a minha reverência.
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